O que o Brasil viu em junho de 2013 foi inédito em sua história. Nunca milhões de pessoas haviam saído às ruas simultaneamente, em diversos estados, para cobrar por seus direitos. A revolta teve três pontos cruciais: o aumento das passagens de ônibus nas grandes capitais, a violência da polícia nos primeiros atos – o que aumentou o ódio da população frente ao governo – e, principalmente, a internet, que possibilitou a troca de informações em massa, bem como a criação dos eventos que pararam as principais avenidas do país.
As redes sociais têm papel de protagonistas ao lado da população, especialmente o Facebook. Diversos movimentos políticos foram criados ou aumentaram consideravelmente de expressão e número de membros desde o início dos protestos. O Brasil também vivenciou outro fenômeno: o nascimento de mídias independentes que passaram a transmitir as manifestações ao vivo, da linha de frente e como participante ativa das passeatas e plenárias.
O uso das redes sociais é a grande novidade na arregimentação de pessoas no século 21 e chegou agora ao Brasil após mostrar sua força em países europeus, asiáticos e africanos. Os brasileiros descobriram uma ferramenta poderosa que, por ser online e não ter obrigatoriedade de identificação, tanto pode ser legitimada pela assinatura quanto ser anônima. Não há limite para protestar, pensar ou opinar.
O levante teve outro ponto a se destacar: a Copa das Confederações. A presença da Fifa no país e os gastos estratosféricos nas construções de estádios para a Copa do Mundo do ano seguinte inflamaram ainda mais os revoltosos. Os protestos contra a Fifa nas redes sociais explodiram, e as frases mais compartilhadas eram “Fifa, go home” e “Fifa, paga a minha tarifa”. Aos poucos, todos os problemas do país viraram alvo dos manifestantes, cada um com sua reclamação.
Todo o ano de 2013 seguiu efervescente, especialmente no Rio de Janeiro, onde os professores entraram em greve e foram protagonistas de grandes protestos, contando muito com apoio de ativistas de diversos outros grupos, que não arredavam pé das ruas. Mas os movimentos foram perdendo força ao longo de 2014. Apesar da quantidade de protestos marcados continuar elevada, a participação popular já não era tão numerosa.
Na avaliação do professor da pós-graduação em política social da Universidade de Brasília (UnB) Vicente Faleiros, o modo de fazer política no país se transformou devido aos acontecimentos de 2013. Inclusive a nossa maneira de fiscalizar os políticos.
"O momento da revolta é o de se repensar não apenas em aspectos pontuais, mas na maneira de fazer política. Com essas manifestações, colocou-se em questão não apenas o valor da passagem, mas a maneira como está organizada a representatividade no país. É preciso repensar e modificar a relação da política com o povo e com o mercado", disse.
Para o professor, os protestos ocorridos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília, Belo Horizonte, entre outras capitais, são consequência de um processo construído ao longo dos anos de insatisfação em relação a diversos aspectos associados à revolta com a repressão.
"Estamos fortalecendo uma sociedade de consumo, mas o mercado não pode substituir o Estado. Como as pessoas querem medidas efetivas para melhoria das condições do cotidiano, como as relacionadas à saúde, educação e transporte, foram às ruas para protestar e a resposta dada foi a repressão, o que demonstra não apenas um despreparo da polícia, mas da política brasileira, já que a polícia é uma das esferas desse modo de fazer política", afirmou.
Atualmente, os grupos de pressão, ou hackers ativistas, têm um poder maior de expor seus ideais e, dessa forma, influenciar um grande número de pessoas. Segundo especialistas, o que está acontecendo agora é um processo democrático, uma consequência do que as redes sociais proporcionaram para a população. A internet deu ao povo a maturidade necessária para os protestos e mostrou para o poder público que os brasileiros têm voz ativa e sabem manifestar seus interesses. O que eram apenas ideias expostas em imagens na rede viraram cartazes levados para as ruas.
Passe Livre São Paulo – O grupo que iniciou as convocações contra o aumento das passagens em 2013, em São Paulo, está fazendo o mesmo em 2015. A descrição do grupo no Facebook é a seguinte: “O Movimento Passe Livre (MPL) é um movimento social autônomo que luta por um transporte verdadeiramente público, sob controle popular e sem catracas”.
O cartaz acima é de um protesto convocado para o dia 6 de fevereiro de 2015. O objetivo do movimento é chegar à tarifa zero. Os protestos estão fortes em São Paulo. Um dos atos chegou a ter mais de 30 mil pessoas, em janeiro de 2015.
Passe Livre Rio de Janeiro – Assim como o Passe Livre de São Paulo, o do Rio teve papel importante nos últimos dois anos com seu ativismo no Facebook e nas ruas, e também é o grupo que convocou as maiores manifestações no Rio no início de 2015. Mesmo assim, a participação popular na cidade está muito baixa.
A descrição da fan page do grupo é a mesma de São Paulo. Os primeiros protestos de 2015 até tiveram boa adesão depois que as passagens subiram, mas não aumentou ao longo das últimas semanas, pelo contrário. Os dois grupos continuam marcando eventos, como plenárias e passeatas, regularmente.
Se existem grupos que foram escolhidos como vilões por autoridades brasileiras estes certamente são o Black Bloc e o Anonymous. O ativismo de ambos se tornaram muito conhecidos durante os protestos, especialmente os adeptos da tática Black Bloc. Com rostos cobertos e sempre na linha de frente dos protestos, eles diziam defender a população dos ataques violento da polícia, e que só atacam como reação à brutalidade policial. Também têm como objetivo atacar o capitalismo.
A descrição do grupo no Facebook é a seguinte: “Black bloc é o nome dado a uma estratégia de manifestação e protesto anarquista, na qual grupos de afinidade mascarados e vestidos de negro se reúnem com objetivo de protestar em manifestações antiglobalização e/ou anticapitalistas, conferências de representacionistas, entre outras ocasiões, utilizando a propaganda pela ação para questionar o sistema vigente”.
“Black blocs se diferenciam de outros grupos anticapitalistas por rotineiramente se utilizarem da destruição da propriedade para trazer atenção para sua oposição contra corporações multinacionais e aos apoios e às vantagens recebidas dos governos ocidentais por essas companhias. Um exemplo desta atividade é a destruição das fachadas de lojas e escritórios como McDonald's, Starbucks, Fidelity Investments, e outros locais”.
O Anonymous, que possui páginas fortes no Facebook em todo o Brasil, atuou como propagador dos protestos agendados nas cidades e divulgador de muitas imagens e vídeos durante as manifestações. Eles também promoviam ataques a páginas de governo, geralmente deixando algum recado.
É difícil defini-los como um grupo que possui liderança. Várias páginas são criadas com a ideia Anonymous em todo o mundo. Na maior página do grupo no país, o AnonymousBrasil, que conta com quase 1,5 milhão de curtidores, a descrição é a seguinte: “Essa página, bem como seus conteúdos, não representam de forma nenhuma a opinião dos administradores da página, tão pouco a ideia Anonymous. O mesmo vale para os comentários feitos pelos seguidores nas postagens que é de responsabilidade individual de cada um”.
Quem esteve na rua ou acompanhou com mais atenção os protestos na internet não deixou de perceber o trabalho do Coletivo Projetação, um grupo de comunicação e ativismo formado por 15 cariocas que promovem ações de apoio aos movimentos populares.
Segundo os próprios membros do grupo, o objetivo principal é gerar nas pessoas que estão nos movimentos ou que estão nas ruas sem muita ideia do que está acontecendo, uma reflexão sobre questões políticas e sociais, através de mensagens diretas e de impacto.
A imagem acima é um exemplo do que o coletivo fez e tem feito. Ela mostra a projeção num prédio, em um dos protestos contra o aumento das passagens no Rio, em janeiro de 2015.
O ano de 2013 também trouxe ao Brasil uma forma inédita de reportar um grande acontecimento. Os próprios manifestantes tornam-se repórteres, fotografando e filmando com seus celulares, gerando um farto material audiovisual que complementa e, eventualmente, até desmente a versão da mídia tradicional e das autoridades.
O principal grupo a emergir deste momento foi a Mídia Ninja. Mais do que uma referência ao agente oriental, o nome é uma sigla que significa “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”. Foi justamente a ação que deu o tom de sua cobertura e levantou o debate sobre a maneira como o jornalismo trata o ativismo.
As transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos 3G e 4G, mais na base do improviso do que de um roteiro pré-definido. Os ninjas divulgam seu conteúdo pelas redes sociais e têm uma resposta do público que supera em muito a interação vista em páginas de veículos da grande mídia brasileira. Eles já contam com mais de 300 mil curtidores no Facebook.
Assista a um trecho de uma das transmissões da Mídia Ninja, no início de 2014, e entenda os motivos da ação citada nas transmissões, e o porquê de ela gerar tanto interesse.
Não apenas a Mídia Ninja, mas diversos outros movimentos colocaram ativistas/repórteres nas ruas para fazer as transmissões ao vivo pela internet. Um dos mais conhecidos e que continua ativo é o Coletivo Mariachi, que se define como “um coletivo de midiativistas”. Eles seguem nas ruas, em 2015, cobrindo os protestos contra o aumento das passagens.
Além dele, páginas como é um Centro de Mídia Independente, Rio na Rua, Movimento Contra Corrupção, também transmitem os protestos seja por fotos ou por vídeos, com informações em tempo real.
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