O treinamento do staff nos restaurantes em Beijing é incrível, às vezes perturbador. Quem trabalha com atendimento ao público na indústria alimentícia, constantemente, recebe instruções para aprimorar o relacionamento com o público e a arte de servir. Esses treinamentos são realmente peculiares. Para que seja mais fácil entender, vou dividir algumas experiências que tive com vocês.
Os chineses, habitualmente, promovem rodadas de treinamentos reproduzindo situações que acontecem diariamente nos restaurantes de Beijing para estabelecer como deve ser o contato dos garçons e atendentes com o público consumidor.
Como primeiro exemplo, num dos cursos em inglês que acompanhei, o instrutor reforçava a necessidade de os restaurantes assumirem a culpa em situações de desentendimento. Ou seja, mesmo que um cliente tenha feito o pedido errado sem influência do garçom ou atendente, a sugestão é a entrega gratuita da refeição.
Para justificar a prática, neste caso, o instrutor expôs os cálculos de custo x benefício x satisfação do cliente, demonstrando que, por exemplo, uma refeição de US$ 10 servida grátis pode converter mais pessoas próximas daquele consumidor em clientes do restaurante. Um pensamento que jamais vi reproduzido no Brasil, onde você é responsável por seu erro no pedido.
Comparando com o Rio de Janeiro, que considero ter a pior qualidade de atendimento de serviço no Brasil hoje, aqui é o céu, os chineses realmente gastam dinheiro para transformar a experiência dos consumidores no segmento de alimentação.
Os funcionários são treinados com dicas ocidentais que, somadas ao natural espírito servil dos chineses, torna difícil, quase impossível, encontrar práticas similares em outras partes do mundo. Eles entendem que a função deles é servir o cliente com qualidade. E isso envolve mais que anotar o pedido e levar a comida, os chineses buscam tornar sua experiência no restaurante cada vez melhor, desde o momento que você entra até a hora que vai embora.
No restaurante próximo ao escritório da PSafe, onde costumo fazer as refeições alguns dias da semana, eles já me atendem pelo nome, oferecem entradas grátis, como sopas, e estão sempre sugerindo outras opções do cardápio. Quando decido experimentar um novo sabor, o gerente sempre quer saber se gostei da comida e ainda se abre para ouvir críticas que possam resultar em melhorias do prato.
Um atendimento realmente 5 estrelas que quase ninguém está acostumado. Mesmo nos lugares que você vai pela primeira vez, este tipo de atitude em relação ao cliente pode ser observado. Eles te atendem como Rei.
O objetivo, claro, é fazer você ter vontade de voltar no local. E essa atitude não é vista somente com estrangeiros, o mesmo vale para os consumidores locais. É uma cultura de valor de curto e longo prazos para um atendimento de qualidade e fidelização de clientes. Um estudo constante para garantir que você vá voltar a consumir ali.
Em outro tipo de treinamento que já presenciei, denominado ‘exposição’, o responsável pelo estabelecimento, em determinada hora do dia, chama todo o staff do restaurante para o salão e começa a falar com os funcionários de forma muito agressiva, tudo na frente dos clientes, na tentativa de causar pressão e garantir sempre o melhor atendimento.
Os gerentes gritam com os atendentes e cobram explicações de por que o atendimento não está satisfatório. É um treinamento estilo BOPE. Isso acontece diariamente ou semanalmente. Quem não aguenta sai da equipe, quem fica é porque entendeu o compromisso de servidão, exigido também para o segmento de alimentação na cultura da China.
Outras vezes, o gerente obriga o staff a dançar na frente dos clientes com o objetivo de diminuir a vergonha de interação e melhorar o relacionamento com o consumidor, expondo as pessoas a situações inimagináveis no Brasil para que entendam a sua função: servir e garantir uma ótima experiência. São pessoas que ganham salários baixíssimos, mas que não por isso acham que não têm a função extrema de servir/trabalhar bem.
Nesse tipo de treinamento, o instrutor reforça os valores que devem ser trabalhados no atendimento ao público. Os garçons são obrigados a explicar o que entenderam sobre os valores apresentados aos seus colegas, isso para garantir a disseminação e compreensão da informação.
Os treinamentos podem ser na rua, nos corredores de um shopping ou na frente dos restaurantes. É tudo muito interpretativo, mas os esporros públicos cenográficos reforçam os valores das empresas/restaurantes chineses na arte de servir. Pode ser assustador, mas também fabuloso.
Sobhan Daliry
Meio paraibano meio iraniano. Fala Persa, Inglês, Português e Espanhol, mas terá que se virar no Mandarin, em Beijing. Diretor de Produto e empreendedor. Foi enviado para o outro lado do mundo com o desafio de montar o primeiro escritório da PSafe outside BraZil. O resultado desta empreitada e o dia a dia do executivo na Ásia, você lê aqui no Blog, todas as segundas e quartas-feiras, às 19h.
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